Em Angola “há um ciclo novo” e o que aconteceu com Isabel dos Santos “vai acontecer a outros que pediram dinheiro ao Estado e não pagaram”, afirmou à Lusa o antigo primeiro-ministro e ex-secretário-geral do MPLA, Lopo do Nascimento. Quais outros, não disse para não pôr a cabeça a prémio. É que, se houver equidade, João Lourenço estará na lista.
“Quem recebe dinheiro do Estado e não paga tem que ser sujeito a algumas decisões. Se alguém recebe dinheiro do Estado, é para pagar – seja do Estado, seja de privados”, afirmou o antigo político angolano, reabilitado por João Lourenço com um cargo “emérito” na Sonangol.
O ex-dirigente do MPLA reforçou: “Se eu peço um empréstimo a um banco, tenho que pagar. Se não pago, o banco vai apanhar aquilo que eu fiz com o dinheiro que pedi emprestado. É normal. Seja filho de… Nem que fosse filho de Deus, é assim que se faz na Terra”.
Por falha de “tradução” ou “lapsus linguae”, Lopo do Nascimento não conjugou bem o verbo. O que ele queria (ou deveria) dizer é que (…) “é assim que se deveria fazer na Terra”.
O tipo de procedimentos assumido em 30 de Dezembro pela (supostamente independente) Justiça angolana contra a filha do antecessor e mentor do actual Presidente, João Lourenço, “podia ter sido possível, mas não foi”, durante a governação de José Eduardo dos Santos, ironizou o antigo primeiro-ministro entre 1975 e 1978.
Porém, conhecido por ser uma voz crítica durante todo o longo período de José Eduardo dos Santos no poder, fez questão de sublinhar: “Em Angola há um ciclo novo. Não é com António, Joaquim, ou Manuel. Em Angola há um ciclo novo. E, portanto, o que aconteceu a ela [Isabel dos Santos] vai acontecer a outros que pediram dinheiro ao Estado e não pagaram”.
Instado a nomear personalidades em quem estivesse eventualmente a pensar, Lopo do Nascimento não quis responder à sugestão. E este medo, que em nada abona a honorabilidade de Lopo dos Nascimento, revela que o antigo-primeiro-ministro não acredita na Justiça, nem no Governo de João Lourenço.
“Não vale a pena estar a citar nomes de pessoas a quem ainda não se fizeram as coisas”, disse, escusando-se igualmente a quaisquer considerações éticas ou morais sobre o processo: “A mim não me parece nem bem nem mal, é uma questão normal”.
Sobre as expectativas relativas a eventuais desenvolvimentos futuros neste processo, Lopo do Nascimento diz não esperar “nada”. “Espero é que o tribunal decida”, sublinhou.
O Tribunal Provincial de Luanda decretou em 30 de Dezembro o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do marido, Sindika Dokolo, e do português Mário da Silva, além de nove empresas nas quais a filha do antigo Presidente detém participações sociais.
O Tribunal acusou os três de ocultarem “património obtido às custas do Estado”, sustentando ainda que a filha do antigo Presidente angolano, através do seu sócio Leopoldino Fragoso do Nascimento (general Dino), estaria a “tentar transferir alguns dos seus negócios para a Rússia”. O tribunal estima que o valor das perdas para o Estado angolano ultrapassa os mil milhões de dólares (894 milhões de euros). Falta saber se deste montante consta a percentagem desviada para as campanhas eleitorais do MPLA, incluindo a última que levou João Lourenço à Presidência.
Isabel dos Santos detém participações em Portugal em sectores como a energia (Galp e Efacec), telecomunicações (NOS) ou banca (EuroBic).
A decisão do Tribunal realça o papel crucial desempenhado por José Eduardo dos Santos no negócio de diamantes da filha e seu marido, Sindaka Dokolo.
Na decisão judicial (que o Folha 8 revelou), é dito que em audiência de produção de prova, ouvidas as testemunhas, resultou provado, entre outros factos, que, em Agosto de 2010, o executivo angolano, chefiado por José Eduardo dos Santos, decidiu comercializar diamantes angolanos no exterior do país.
Isabel dos Santos afirmou em comunicado, no passado dia 31, que nunca foi notificada ou ouvida no âmbito no inquérito que levou ao arresto das suas contas em Angola, negando as acusações em que é visada num processo que, afirmou, é “politicamente motivado”.
“Este despacho sentença é resultado de um julgamento de uma providência cautelar, que ocorreu sem conhecimento das partes, de forma aparentemente arbitrária e politicamente motivado. Não compreendendo nem se podendo conformar com este enquadramento num Estado de Direito democrático como é Angola, Isabel dos Santos pretende opor-se a cada uma destas alegações em sede e tempo próprio nos termos estabelecidos na lei angolana”, lê-se no comunicado da filha de José Eduardo dos Santos.
Folha 8 com Lusa